Há poucos meses começou a vir regularmente ao boteco. Negro, calvo, culto, passado pouco dos 60 anos, morador de rua. Não sei seu nome. Chega, conversa algum assunto e pede:
-Me vê uma dose de passaporte, duas pedrinhas, por favor.
Toma seu uísque com toda cerimônia e vai discursar lá fora. Fica debaixo da marquise do prédio ao lado, fala como se discursasse para centenas de pessoas ou um público imaginário.
O Motoqueiro, que na realidade é padeiro, mas que carrega essa alcunha por força de piadas internas. Bem, o Motoqueiro tem por hábito pedir uma taça de vinho e uma dose de cachaça, sua cota diária. Quando vê o pedinte tomar seu uísque, comenta: “A coisa tá feia pro meu lado. Eu aqui tomando cachaça e vinho barato e o mendigo tomando scotch.”
Outro dia foi o Capitão, Já havia tomado umas, mas não se deu por satisfeito. Contou as moedas do bolso (Não que não tinha mais dinheiro. Só queria complementar o pileque.) Contou três Reais e pediu ao Dionísio que lhe servisse essa quantia em conhaque.
-Essa é boa, o morador de rua toma passport e deixa o troco de gorjeta. Já você, conta moedas pra pedir um conhaque? –Indigna-se o barman.
Todos tiram sarro do Capitão.
T
Todo mundo tem histórias, não conheço as do pedinte. Por certo, teve um passado venturoso, pois tem bom gosto na bebida, boa articulação com as palavras, se mostra culto e bem informado. Só que alguma desventura talvez o tenha conduzido para essa vida desregrada, à mendicância, ao sono exposto sob as marquises dos prédios comerciais ou ao relento das esquinas mundanas. Não sei e não julgo. Só faço uma leitura pessoal dos fatos e conto os causos.
Watson
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